Depois do exímio trabalho de câmara de João Canijo em Sangue do Meu Sangue (entrevista ao realizador aqui), Radu Muntean mostra-nos exactamente o oposto em Terça, depois do Natal, filme absolutamente deslumbrante e esmagador, dotado de uma notável economia formal. Planos anormalmente longos - não mais de 12 no total -, câmara fixa, da qual nos esquecemos, absorvidos que estamos na contemplação. E o que contemplamos é o amor de um homem por duas mulheres. Um homem passivo, que deixa a vida correr sem tomar grandes decisões, até ao dia em que as mulheres se conhecem, despertando nele uma inquietação até aí contida. É o tipo perdido, que acha que sabe o que quer, até o ter e passar a desejar outra coisa. Vê-se moralmente obrigado a escolher, sem ter tido tempo para racionalizar a sua decisão, e por isso quando se confessa a Adriana aquilo lhe sai tão naturalmente – “Estou muito apaixonado. Conheci uma pessoa.” Adriana põe à prova nesta cena os limites do controlo – notável interpretação de Mirela Oprisor.
Até este ponto, foi-nos apresentada a vida secreta de Paul e Raluca, na intimidade da qual entramos por portas escancaradas. Assistimos à cena em que ele a visita na casa da mãe, que o presenteia austeramente, mas com uma fatia de bolo que sobrou dos seus anos. Demasiado habituado a ter Raluca por perto, Paul perde o norte quando esta se ausenta de Bucareste por alguns dias, para visitar a mãe e passar com ela o Natal. E no seu constrangimento, decide terminar com a mulher. A partir daí é-nos revelada a vida conjugal do casal destruído. Raluca não aparece mais no ecrã, e quando Paul se muda para sua casa percebemos o quão perdido está. Pela primeira vez, vê-se sozinho e perde as certezas.
Vamos observando o enorme entendimento entre o casal, que depois da tempestade que abalou o seu lar, se comporta com enorme compreensão – exemplo máximo disso é a cena final com as prendas. Paul, personagem com bastante sentido de humor no início do filme, ganha uma expressão cada vez mais pesada, causada pelo remorso. E não chegamos à Terça, depois do Natal, esse dia fica no futuro incerto dos personagens.
Estamos perante um verdadeiro raio x à vida de três pessoas – o raio-x que Raluca mostra ao casal, no consultório médico. Nessa cena é igualmente emblemática a movimentação dos personagens no plano – tudo parece ter sido trabalhado ao milímetro, mas nada é forçado. A tensão aumenta à medida que escavamos nos seus dramas pessoais, e as cenas foram filmadas por ordem cronológica para que esse efeito fosse notório e sincero. A acrescentar que o casal Paul e Adriana é-o na vida real, o que ajuda à perfeição das cenas entre eles.
Quarto filme do realizador Radu Muntean, vem na linha do novo cinema romeno que nos tem sido apresentado nos últimos dez anos, e que já conta com obras maiores como Aurora, 4 meses, 3 semanas e 2 dias ou A Leste de Bucareste. Terça, depois do Natal é a sua nova aquisição.
Em exibição no cinema King.
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