Have you ever been outside?
Um casal na casa dos 30 vive num
apartamento colorido e caótico, cada qual agarrado ao respectivo macbook,
quando decide adoptar um gato a quem só resta meio ano de vida. Os dois parecem
certos de que será um grande feito dar parte das suas vidas a um animal
indefeso que deles precisa para sobreviver – e de quem eles precisam para se
sentirem grandes. Só que, afinal, com algum jeitinho, o gato pode durar uns
bons 5 anos aos seus cuidados, e aí a coisa começa a pesar-lhes. Vejamos: quando
o gato morresse, já teriam 40 e já nada poderiam fazer com as suas vidas,
porque dos 40 aos 50 é um dia e depois dos 50 acabou. Por sorte, o felino está
nos cuidados intensivos e lá terá de permanecer por um mês. É então que o casal
decide largar os empregos e fazer algo com propósito e significado durante os
30 dias de liberdade, porque, está mesmo a ver-se, o gato vai ser um fardo,
assim mais ou menos como um filho. A ideia era ser uma espécie de preparação
para o próximo nível – o filho, entenda-se – mas 5 anos – e tendo em conta que
depois dos 50 não há nada a fazer – é um tempo consideravelmente longo.
Sophie (Miranda July), professora de
dança para crianças, está obcecada com o sucesso que o vídeo de uma colega fez
no youtube, e o objectivo de vida dela – sendo a vida esses 30 dias – é gravar
uma coreografia por dia e pô-la online, de modo a ser reconhecida. Claro que a sua
obsessão com o vídeo da outra e o seu estilo totalmente distinto, atrofia-a,
frustra-a e impossibilita-a de levar o projecto avante. Necessitando
estabelecer contacto com alguém, envolve-se com um desconhecido que até não se
importava de partilhar a vida com ela, e Sophie responde-lhe: “If you watched
me all the time I wouldn’t have to do anything”. Ou seja, atingido o objectivo,
perde-se o encanto. Só não o alcançando se continua na estrada, a desbravar
terreno.
Sophie falha completamente na sua
descoberta. Não a vemos crescer, nem iluminar-se, nem mudar de atitude, nem
conseguir o que queria, que não sabemos o que é, porque ela também não. É uma
mulher perdida na inércia, com o relógio biológico a dar horas e com a força e
o medo do instinto maternal a bater-lhe à porta. Em casa sentia-se protegida,
sem grandes distracções ou atracções, mas agora, fora do seu forte, descobre
uma parte adormecida dentro de si - a selvagem: “I have to tell you something. One
thing is that I’m wild.” Tudo o que faz é irresponsável, despropositado e em
nada preenchedor, mas, no final, arca com as consequências e, pelo menos, fica
a saber o que não quer.
Jason (Hamish Linklater), por seu
turno, é um pouco mais altruísta nas suas escolhas, escolhas que advêm de uma
premissa maior: o estar atento e alerta para o que o mundo tem para lhe
oferecer e que ele lhe pode devolver. Rompendo com o seu emprego de apoio
técnico informático, junta-se a uma organização ambientalista e vai de porta em
porta tentar vender árvores. Não é, no entanto, em nenhuma dessas portas que
encontra uma ligação, mas sim na porta onde vai comprar um secador para Sophie,
onde faz um amigo com quem almoça e escuta, enquanto a namorada está com o
amante e dá por si escondida dentro da sua camisola protectora, incapaz de
compreender e dominar as entranhas.
A grande revelação de Jason acontece
quando pede a Sophie para se calar, no momento em que esta se prepara para
dizer algo que vai mudar o rumo das suas vidas. Com a entrega e aprendizagem a
que Jason se submeteu durante o mês, consegue parar o tempo para reflectir
sozinho. Mas o seu amigo – a lua – está a olhar por ele e ajuda-o a descobrir
dentro de si a aceitação. Quando Jason restabelece o compasso do tempo, os dias
passaram, só ele é que os perdeu. A vida para além dele continuou o seu caminho.
Jason nunca chega a escutar o que Sophie tinha para lhe dizer, assim como
Paw-Paw, o gato, nunca é resgatado pela família de acolhimento, porque os seus
‘pais’ estavam demasiado ocupados a gastar os últimos cartuxos antes de o terem
a prendê-los. Mas Paw-Paw também encontra a aceitação e leva-nos a meditar
sobre a mortalidade e a eternidade: “Living is just the beginning”.
Sophie e Jason não mais encontram o
caminho de casa - “This is a totally new land now” – mas podem ter encontrado o
seu próprio caminho. Não chegam à meta que estabeleceram – Paw-Paw - mas talvez
essa meta não lhes estivesse destinada. E quem sabe o buraco que Gabriella cava
é o fosso cada vez maior entre Sophie e Jason, ou a cova de Paw-Paw ou o buraco
do Universo, onde todos mergulhamos um dia.
The Future é um excelente exercício sobre o
pânico dos trintões que estudaram para ter um emprego satisfatório, mas os anos
passam e esse dia não chega, e então há que se conformar com o que se tem e
pensar em constituir família ou mandar tudo à fava e fazer umas quanta
loucuras, enquanto ainda há tempo.
Outra característica curiosa
prende-se com as semelhanças físicas entre Sophie e Jason, com os seus cabelos
encaracolados, reflectindo sobre a possibilidade de pessoas que partilham o
mesmo espaço durante muito tempo se começarem a parecer – e a perder a
individualidade.
O mundo de July é muito particular e
não costuma ser recebido com meias medidas: ou se gosta muito ou não se gosta
nada. Mas até os haters conseguem
distanciar-se e dar-lhe, pelo menos, o mérito de criar uma atmosfera própria
para personagens singulares com uma pitada de magia e fantástico que pode ir
desde uma camisola com vida própria, um gato e uma lua que falam ou poderes
sobre o tempo.
July segue assim o traço de
realizadores como Wes Anderson ou Noah Baumbach. É difícil ficar indiferente a
qualquer um deles.
ainda não vi mas já gosto muito
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