Na passada semana fui, sem grandes expectativas, ver
o Io e Te. Tinha ficado com uma
ideia um bocado chata depois de ver o trailer. Estupidez
minha. Bertolucci pega nos dois jovens - um enterrado a fundo no
desconforto da puberdade, outra a arrancar os últimos bocados de uma
extravagante e decadente adolescência que se prolonga pela casa dos 20 - e
encerra-os numa cave bafienta, recheada de antiguidades, cenário idílico como
exercício de estilo de uma requintada decadência. Decadentes são também as suas
vidas, uma física, outra moralmente. À medida que o espaço vai ganhando forma,
eles também se vão erguendo. Porque às vezes é preciso cair no fundo para nos
levantarmos. O miúdo não quer ser incomodado durante uma semana e trata de tudo
para ficar sozinho e tranquilo, mas a meia-irmã entra-lhe por ali adentro e,
dado o seu estado, ele não tem outro remédio que não aprender a cuidar e a
estar com alguém. Com ela, experiencia o que é sentir-se ligado a outro ser
humano. Olivia vem dar vida e explorar o potencial da cave, ajudando Lorenzo a
sair do buraco em que se enclausurou para se sentir livre e seguro. O desafio é
fazer essa sensação perdurar fora de grades. Ela foi ensiná-lo a crescer, mas
fá-lo de forma bastante passiva. É o miúdo que trata dela e a ajuda, ao deparar
com uma realidade completamente desconhecida. E nessa tenra idade sentimo-nos
importantes quando somos úteis e fazemos coisas pelos outros. Lorenzo fez tudo
o que podia pela irmã e a sua devoção foi retribuída com o amor que precisava
para acalmar o seu espírito tumultuoso. Há uma aura constante de
sensualidade a pairar no ar. Olivia é uma deusa rebelde, e a sua beleza -
dissecada à lupa pelo rapaz - serve como objecto de idolatração. Ela não é um
modelo a seguir, mas alguém com uma experiência que ele não tem, que lhe mostra
que a vida são dois dias e que as crises existenciais têm de acabar num deles.
A escolha é dele. E dela. Quando, inocentemente, Lorenzo lhe dá os cigarros com
a droga lá dentro, Olivia deixa de poder encerrar ali os seus problemas.
Leva-os consigo e terá ou não coragem para resistir à tentação da maçã
proibida. A cena em que Tea Falco dança a Ragazzo Solo, Ragazza Sola do Bowie é a mais bela do filme. A
letra é a narrativa. É nesse momento que a aura de sensualidade cai e dá lugar
a um abraço fraterno.
Eu chorei quando o filme
acabou. Fui em crescendo com ele, largando as amarras e deixando as emoções
eclodir pela sala escura. Eu lembrei-me que já fui os dois irmãos e senti uma
certa nostalgia de um tempo cheio de agitações e incertezas, de amores e
desencontros. Passados mais de 15 anos desde Stealing Beauty, Bertolucci não perdeu o tacto, mas eu perdi a
idade da inocência e a bagagem é uma coisa pesada.
coisa linda, inês -- espero que saia logo por aqui...
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