sábado, 19 de outubro de 2013

Io e Te



Na passada semana fui, sem grandes expectativas, ver o Io e Te. Tinha ficado com uma ideia um bocado chata depois de ver o trailer. Estupidez minha. Bertolucci pega nos dois jovens - um enterrado a fundo no desconforto da puberdade, outra a arrancar os últimos bocados de uma extravagante e decadente adolescência que se prolonga pela casa dos 20 - e encerra-os numa cave bafienta, recheada de antiguidades, cenário idílico como exercício de estilo de uma requintada decadência. Decadentes são também as suas vidas, uma física, outra moralmente. À medida que o espaço vai ganhando forma, eles também se vão erguendo. Porque às vezes é preciso cair no fundo para nos levantarmos. O miúdo não quer ser incomodado durante uma semana e trata de tudo para ficar sozinho e tranquilo, mas a meia-irmã entra-lhe por ali adentro e, dado o seu estado, ele não tem outro remédio que não aprender a cuidar e a estar com alguém. Com ela, experiencia o que é sentir-se ligado a outro ser humano. Olivia vem dar vida e explorar o potencial da cave, ajudando Lorenzo a sair do buraco em que se enclausurou para se sentir livre e seguro. O desafio é fazer essa sensação perdurar fora de grades. Ela foi ensiná-lo a crescer, mas fá-lo de forma bastante passiva. É o miúdo que trata dela e a ajuda, ao deparar com uma realidade completamente desconhecida. E nessa tenra idade sentimo-nos importantes quando somos úteis e fazemos coisas pelos outros. Lorenzo fez tudo o que podia pela irmã e a sua devoção foi retribuída com o amor que precisava para acalmar o seu espírito tumultuoso. Há uma aura constante de sensualidade a pairar no ar. Olivia é uma deusa rebelde, e a sua beleza - dissecada à lupa pelo rapaz - serve como objecto de idolatração. Ela não é um modelo a seguir, mas alguém com uma experiência que ele não tem, que lhe mostra que a vida são dois dias e que as crises existenciais têm de acabar num deles. A escolha é dele. E dela. Quando, inocentemente, Lorenzo lhe dá os cigarros com a droga lá dentro, Olivia deixa de poder encerrar ali os seus problemas. Leva-os consigo e terá ou não coragem para resistir à tentação da maçã proibida. A cena em que Tea Falco dança a Ragazzo Solo, Ragazza Sola do Bowie é a mais bela do filme. A letra é a narrativa. É nesse momento que a aura de sensualidade cai e dá lugar a um abraço fraterno. 




Eu chorei quando o filme acabou. Fui em crescendo com ele, largando as amarras e deixando as emoções eclodir pela sala escura. Eu lembrei-me que já fui os dois irmãos e senti uma certa nostalgia de um tempo cheio de agitações e incertezas, de amores e desencontros. Passados mais de 15 anos desde Stealing Beauty, Bertolucci não perdeu o tacto, mas eu perdi a idade da inocência e a bagagem é uma coisa pesada.

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