sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

OSSESSIONE (1943) de Luchino Visconti



Primeiro precursor autorizado do neo-realismo italiano, Ossessione foi adaptado da novela de James M. Cain, The Postman Always Rings Twice.
Com trinta anos, Visconti mudou-se para Paris e foi ajudante de realização de Jean Renoir, em Une partie de campagne. Passados seis anos, decepcionado com Hollywood, realizou este filme.
“Dos filmes ganhei, sobretudo, o compromisso de contar histórias de vida de pessoas: homens que vivem nas coisas, não a coisa mesma. O cinema que me interessa é um cinema antropomórfico”. Publicado em Setembro de 1943 na revista Cinema, da qual foi editor, Visconti manifesta-se quanto à sua ideia de neo-realismo. A visão da realidade é intrínseca à sensibilidade artística do seu autor. Em Ossessione, a vida aventureira opõe-se à estabilidade burguesa. O amor e a violência instintiva fazem parte da sedução e do adultério, reforçando uma visão “aristocrática de esquerda” por parte do realizador.
Foi largamente discutido pela imagem que dava de Itália, ainda em domínio fascista. Até aqui, o cinema italiano representava-se em comédias ligeiras de ideologia pequeno-burguesa, ou em filmes de propaganda de uma Itália “heróica e sã”.
Ossessione veio romper com esse mundo, ao escolher a cidade de Ferrara, com gente e espaços reais. Pela primeira vez, representa-se com um realismo quase documental a cidade e os seus arredores, mostrando a vida quotidiana tal como ela é. Tratam-se problemas psicológicos que importam às classes populares, tendo por trás a história de um casal de amantes malfadado.
Visconti situa as suas personagens numa Itália rural miserável. Os personagens movem-se no seu meio, e nesse sentido utiliza a profundidade de campo para mostrar todas as acções que ocorrem naquele espaço.
As interpretações de Clara Calamai e Massimo Girotti são impressionantes, numa história sensual onde os personagens são tudo menos glamorosos. Os amantes Gino e Giovanna reúnem-se na cozinha da pousada que esta dirige com o marido. Gino pede a Giovanna que fuja com ele, mas ela conhece o seu carácter aventureiro e nega-se a fugir, preferindo a estabilidade que Bragana tem para lhe oferecer. Tempos mais tarde encontram-se na cidade. Bragana está bêbado e participa num concurso de canto. Os amantes levam a cabo o plano de o matar através de um acidente de automóvel, escolha que só serviu para acentuar o sentimento de culpa. A relação desmorona-se e acabam por ficar sozinhos.
Giovanna e Gino são personagens trágicos, incapazes de encontrar um espaço onde ambos se possam situar. Ela é impelida a saltar da segurança do seu casamento por força de um desejo de paixão. Por querer agarrar-se à riqueza que o casamento lhe trouxe, acaba por destruir a sua relação, lidando com a dualidade riqueza e amor. Ele tem sempre uma força presente que “lhe sugere” que não fique com Giovanna, tal é o medo que tem de se entregar a um compromisso tradicional com cujas as leis não compartilha. A estrada é a única solução como fuga à sociedade. Preso por desejar duas coisas antagónicas, Gino acaba por se destruir a si e aos outros.
“Visconti deu (com este filme) o tiro de partida para o neo-realismo sem nunca ter aderido a ele (...). É um melodrama negro, sem porta aberta para um mundo melhor. O trato da História não dá inclinação particular para o optimismo (...). Esta transposição do romance de James Cain tem mais força do que o romantismo e o trágico resulta não do “realismo” mas sim da estilização de uma certa realidade” (Claude Michel Cluny, Ficha Casterman).

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