quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Fish Tank (2009) Andrea Arnold


Um pouco a propósito do Michael Fassbender, vi finalmente o filme de que a Ana me falou há uns meses. A história inspira-se na curta-metragem Wasp, filmada em Dratford, pela qual a inglesa Andrea Arnold recebeu um Óscar. Depois foi até Glasgow filmar a sua primeira longa – Red Road - que a distinguiu no cenário britânico e arrecadou o prémio do júri em Cannes. Três anos mais tarde estava em Essex pronta para dissecar as entranhas da família suburbana, à maneira de anatomistas maiores como Mike Leigh e Ken Loach.
Fish Tank apresenta-nos Mia (Katie Jarvis), uma jovem adolescente de 15 anos com os serviços sociais à perna, por ter partido o nariz a uma rapariga, numa luta de bairro sem importância. Vive com a mãe alcoólatra e desempregada e com a irmã mais nova, num pequeno apartamento de um conjunto de prédios de reinserção social. O seu único interesse é dançar, mas os seus passos são ainda tensos e pouco confiantes.
Tudo nos é apresentado sob o seu ponto de vista. Estamos sempre ao lado dela, em casa, na rua ou no apartamento vazio onde ensaia - espaço de intervalo à contínua guerra que trava consigo e com o mundo. O que Mia tem de forte, também tem de vulnerável. Quer ser livre e estar sozinha, mas também quer sentir-se segura e amada. Incapaz de compreender e controlar a fúria, o desejo e o medo, constitui um quebra-cabeças para si própria. Todas as contradições características da adolescência são retratadas com extrema autenticidade.
Quando a mãe leva para casa o novo namorado, o ambiente familiar leva uma injecção de ordem e boas maneiras. Connor (Michael Fassbender) é divertido, atencioso, educado e até tem um emprego. Mia vê nele um pai ou um irmão mais velho, alguém que se preocupa – ao contrário da mãe, sempre bêbada ou de ressaca – e que a apoia no seu sonho de vir a dançar. Mas ela não sabe como expressar o afecto porque nunca o recebeu. Por isso, quando Connor se aproxima, Mia carrega o seu sistema de defesa pessoal, mas existe uma clara empatia entre eles. A rapariga está sobretudo fascinada. Nunca se tendo deparado com uma figura masculina tão prestável, embarca numa experiência de descoberta perigosa e excitante.
Bem vistas as coisas, Connor é bom demais para ser verdade. Não faz sequer sentido namorar com a mãe de Mia porque são dois seres antagónicos. O seu papel no seio daquela família começa a ser difícil de definir e perguntamo-nos até que ponto será assim tão bonzinho. Quando Mia descobre a verdade, a sua adoração transforma-se em ódio e, determinada a passar por cima do sucedido, decide à pressão fazer um jogo demasiado arriscado, para o qual não está preparada. A sequência de perseguição no terreno baldio é decisiva para ela, pois é aí que percebe até onde as circunstâncias a podem levar. Segura de não querer ser essa pessoa, vai-se embora daquele lugar, de onde nada de bom sairá.
No final, a dança com a mãe transparece optimismo. Arnold não quer passar uma imagem miserabilista, inclusive filmou no Verão para que o sol brilhasse em quase todas as cenas. Evita também quaisquer juízos de valor e explicações desnecessárias, especialmente na relação de Connor e Mia.
A performance de Katie Jarvis (distinguida com vários prémios) é extraordinariamente convincente, principalmente para uma actriz não profissional – foi o seu único papel até à data - e Fassbender tem mais um desempenho sem quaisquer pontas soltas. O filme recebeu também o prémio do júri em Cannes.

O mais recente filme de Arnold, Wuthering Heights, é baseado no romance de Emily Bronte, de 1847, e foi apresentado em Veneza, no ano passado. Conta com Kaya Scodelario da série Skins.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Shame, Steve McQueen


Uma Nova Iorque escura e depressiva por onde um executivo de uma empresa qualquer – não sabemos de que área se trata – vagueia à noite com o intuito de satisfazer os seus ímpetos carnais. Um apartamento pequeno, com vidros altos que deixam entrar as luzes da cidade, onde recebe mulheres ou vê pornografia, quando a noite de engate não supre o efeito desejado. O engate é subtil e vive do olhar. Brandon é homem de poucas palavras e a sua figura permite-lhe ter confiança suficiente para fazer esse jogo. O efeito pretendido consiste em neutralizar a dor, por ventura plantada há muito, num lugar como a Irlanda, onde nasceu, ou Nova Jersey, onde foi criado – locais mencionados pela irmã (“We’re not bad people, we just come from a bad place”).
A rotina diária de Brandon começa com masturbação no duche, enquanto deixa correr os recados tempestuosos de Sissy no atendedor de chamadas. No metro, vai a comer com os olhos a mulher mais atraente que encontrar, que facilmente lhe retribui o entusiasmo. No escritório, ao ver o seu computador ser mandado formatar por causa dos vírus – com as toneladas de pornografia lá enfiadas - masturba-se na casa de banho, e à noite, quando não está por sua conta, é arrastado até bares pelo patrão, que, casado e pai de filhos, precisa de se distrair.
Sem obter respostas, Sissy aparece-lhe no apartamento para deitar por terra todo o seu esquema tão bem organizado. Visivelmente transtornado com a sua chegada, Brandon sente-se desconfortável ao seu lado e afasta-a, incapaz de aceitar o seu afecto. Sissy, pelo contrário, procura contacto e exterioriza a sua frustração. Num acto puramente imaturo e provocatório, envolve-se com o patrão do irmão na sua própria cama. Furioso, Brandon veste o facto de treino e corre durante uns quantos quarteirões numa cena de beleza incomensurável, filmada num único take. Mais tarde, Sissy tenta infiltrar-se na sua cama, mas ele rejeita-a com ferocidade. Também o apanha na casa de banho a vir-se em frente ao espelho, mas nunca o recrimina ou faz julgamentos sobre a sua vida sexual, que parece conhecer bem e compreender como uma espécie de escape ou tranquilizante a que o irmão se agarra. Ela foi para o ajudar, mas não consegue porque, como o próprio lhe diz, nem sequer sabe tomar conta dela, o que faz com que ele tenha de se preocupar e desconstruir todo um sistema de defesa imperturbável - "You're a burden. You're just dragging me down."
À medida que Brandon se apercebe do fosso que criou com o mundo, tenta relacionar-se saudavelmente com uma mulher. Leva-a a jantar a um restaurante onde se sente um outsider, incomodado pelo empregado de mesa que lhes faz variadíssimas sugestões, quando Brandon não podia interessar-se menos com o que vai comer. Ele está completamente fora-de-jogo, não sabe como interagir com Marianne, e enquanto a leva ao metro conversam sobre sonhos perdidos. Brandon queria ter sido pianista e viver numa outra época, daí os vinys de música clássica que escuta sozinho em casa. (Fica patente a valorização de tudo o que é oposto ao que o rodeia, à parafernália de corpos, objectos e informação. Mas, como todos nós, deixou-se engolir pela era da web, do acesso fácil, do descartável, do consumo desregrado.) Na tarde em que se envolve com Marianne, sofre de disfunção eréctil, porque ao gostar dela não consegue pensá-la como objecto sexual e é-lhe impossível tirar prazer de outra forma que não a do sexo descomprometido e maquinal. O amor está a milhas do cenário que criou.
A partir daí, enterra-se no seu próprio calvário: mete-se, propositadamente, com a namorada de um tipo que lhe marca a cara, entra num bar gay e deixa que um homem lhe faça sexo oral, convoca uma orgia com duas mulheres, impecavelmente filmada, onde assistimos ao seu desespero, quando o sexo deixou há muito de ser um prazer e se tornou um escape. Na verdade, Brandon não quer estar ali, mas essa é a única coisa que sabe fazer para fugir de si mesmo. Nessa cena, vemos um corpo a tentar matar qualquer resquício de alma, memória, e o orgasmo é a apoteose do seu sofrimento atroz. Mal ou bem, ele vive para o seu vício e se a princípio o sexo lhe aliviava a angústia, agora alimenta-a, como se o orgasmo fosse o elemento catártico de um peso que carrega silenciosa e secretamente consigo e só naquele momento exterioriza.
Apesar do personagem principal ser viciado em sexo, o sexo que McQueen filma é extremamente seco, frio, sem ponta de sensualidade, exactamente como Brandon o sente, e isso vai-se adensando ao longo do filme. A música que Harry Escott compôs e a maravilhosa fotografia de Sean Bobbit - já conhecida de Hunger – imprimem relevo e consistência à experiência de absoluto desconforto e inquietude. Há muitos corpos nus no filme, mas o que corre dentro dos personagens nunca é revelado, apenas temos acesso ao exterior, porque não são capazes de dar mais (ou não têm ninguém que os ouça, no caso de Sissy). Quando a irmã comete um acto impetuoso em pedido de socorro (ela que já tinha tentado o suicídio em criança), Brandon chora descontroladamente e encolhe-se no chão, aterrado e desfeito pelo que as suas vidas se tornaram. 
Ainda há quem diga que Shame de vergonha tem pouco, como se o fardo de Brandon (e dos muitos Brandon que existem mundo fora) viesse de uma outra coisa. É a vergonha que o impossibilita de se expressar. O desprezo que sente por si mesmo tornou-se familiar, mas cravou-lhe o vazio na alma e incapacitou-o de criar intimidade com alguém. 
No final, o ciclo não se fecha. Brandon reencontra a mulher que lhe escapou no início, agora completamente disponível, e é utópico pensar que não terá agarrado a oportunidade de abismo.
Michael Fassbender tem um desempenho excepcional. Encarna um personagem tenso, afectivamente desligado, mecânico e intransponível, mas que acaba por se emocionar com a fragilidade da irmã (interpretada por Carey Mulligan), a única mulher que ama e que por isso o aprisiona. Sissy canta uma versão da New York, New York, que nos faz ficar (tão) pequenos no nosso assento: um grande plano da sua cara a dizer a Brandon "I want to be a part of it". É esse o único momento em que realmente falam, escutam, entendem.
Como a Morgana costuma dizer, cada plano de Shame é “poesia em silêncio”. Um drama profundamente humano sobre a discrepância latente entre amor, sexo, comunhão e família, explícito magnificamente na cena em que Brandon assiste à cópula de um casal contra o vidro de um apartamento, num tempo em que a fronteira entre privado e público, real e irreal se esbatem a passos largos, e vivemos todos juntos (n)um grande vazio.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Dogville (2003) Lars von Trier


Inserido na trilogia USA: Land of Opportunities, combina cinema e teatro Brechtiano, rompendo radicalmente com o cânone clássico. A história é relatada por um narrador omnisciente, colocando de lado a visão dos personagens. A acção decorre durante o período da Grande Depressão, pondo à prova o comportamento humano perante situações-limite.

Os residentes de Dogville eram gente boa e honesta que amava a sua aldeia, mas por alguma razão vivem num projecto de polis sem horizonte, onde o privado se mescla com o público, num olhar invasivo sobre os habitantes que nunca chegam a atingir o estatuto de verdadeiros cidadãos.
Thomas Edison Jr. – o oposto do inventor – passa os dias a vaguear imerso nos seus pensamentos, e encarna o ‘cargo’ de filósofo, reunindo os habitantes da polis em assembleias, com o intuito de lhes impor o seu ponto de vista, ao invés de lhes despoletar o espírito crítico. Ao considerar-se intelectualmente superior, o seu carácter não é bondoso, mas arrogante.
São aqui apresentados personagens-tipo, conformistas e desprovidas de autonomia, que precisam de um pastor que as guie. Há a preta que representa o papel de escrava - e que ainda tem uma filha deficiente motora - e há a branca que foge do mundo corrupto onde habitava, para conquistar autonomia e agir de acordo com o que a sua consciência dita. Grace escolhe o caminho da graça mas acaba por se afundar no pântano da natureza humana e animal, fazendo o antigo trabalho de Olívia parecer coisa de meninos.
Assim como o crash da bolsa desencadeou o declínio dos valores morais, também em Dogville esses valores desapareceram ou nunca existiram. Sendo uma carta fora do baralho, Grace é tratada como um objecto e perde toda a sua dignidade ao suportar o seu calvário, desculpabilizando os actos dos seus carcereiros pelo meio que os rodeia. Isso faz dela um ser ainda mais egoísta e arrogante que Thomas, como mais tarde o pai a faz ver. As suas tão respeitáveis boas intenções não chegaram para vencer as frentes de ataque da injustiça e do irracional, comandadas por um mundo perverso e contagioso onde até os anjos se metamorfoseiam em demónio com sede de vingança e convocam o apocalipse.
Afinal de contas, o homem bruto (Chuck) é que tinha razão - os homens são iguais em todo o lado, gananciosos como bichos - e as fotografias nos créditos finais mostram, caso a memória nos falhe, a quantidade de aldeias de cão que existem por esse mundo fora.
Sendo Grace uma deusa, encarna a tragédia como uma Medeia, e a sua vingança não é individual mas pelo bem da humanidade. Assim, queima aquele espaço para que dele não reste nada. Apenas o cão Moses sobrevive e é poupado por ter sido o único a mostrar-lhe os dentes assim que a viu.
Através da fragmentação do filme em capítulos, Trier convoca o espírito crítico, impossibilitando o envolvimento ou o choque. O próprio narrador ajuda a que a nossa percepção seja nítida, afastada e fria. O dinamarquês advoga uma arte comprometida, reflexiva e claramente posicionada, mostrando todo o desprezo que sente pela humanidade e levando ao extremo a perversidade humana. É impossível fugir à maldade e ninguém sai impune desta vida.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Le Havre, Aki Kaurismaki


O mais belo sonho carrega, como uma cicatriz, a sua diferença da realidade, a consciência de que o que ele concede é mera ilusão – Theodor Adorno sobre Amerika, o primeiro romance de Kafka, que conta a saga de um emigrante europeu nos Estados Unidos. Kaurismaki cita-o a bom tempo, evocando a problemática dos refugiados na Europa. A utopia de Le Havre reside em mostrar, sem dramatismos, o verso da moeda.

Herdeiro da tradição humanista e cómica de Chaplin e Renoir, do burlesco de Tati e do realismo poético de René Clair e Carné, o finlandês constrói uma espécie de conto de fadas num bairro de pescadores da cidade portuária de Le Havre, na Normandia, populado por pessoas de hábitos e rotinas atemporais, que se movimentam entre uma padaria, uma mercearia e um café. O tempo é o de uma outra vida e o ritmo é vagaroso, em claro protesto à velocidade da era digital.
Kaurismaki é um homem clássico que não gosta de arquitectura moderna. A sua câmara de filmar é de 1974 e pertenceu a Bergman. Com ela filma cenas longas e silenciosas sobre cenários teatrais, iluminados artificialmente. Vinys e vestidos vintage imprimem nostalgia à acção, e o único telemóvel que se vê pertence ao inspector, que transporta uma aura negra, mas não passa de um bom coração.
O nome dos personagens remete igualmente para o passado que o realizador homenageia. O protagonista Marcel Marx, levava uma vida boémia em Paris (André Wilms entrou em La vie de bohème, em 1992) e é agora um engraxador de olhar pesado, mas portador de grande optimismo e dignidade. A sua esposa, Arletty, sofre de cancro terminal e encarna o espírito e o pathos do proletariado francês dos inícios do século XX.
A trama lembra Casablanca. Marcel vê-se na obrigação moral de ajudar um refugiado africano a chegar a Londres, onde a mãe o espera. Para isso, conta com o apoio de todos os vizinhos (excepto um, porque há sempre uma ovelha negra em cada família) e juntos formam uma espécie de ‘nova internacional pós-comunista’, cunhada pela consciência social, fraternidade e união. Idrissa, o menino fugitivo, é um símbolo passivo que, com Arletty no hospital, cuida da lida da casa e de Marcel, um outro menino muito grande, que se orgulha da sua profissão por ser a “mais próxima das pessoas e a última a respeitar o “Sermão da Montanha””. Há uma ironia cruel, uma auto-paródia e um absurdo sem precedentes que vão desde o sinistro inspector Monet, que ajuda Marcel na sua missão, até à cena surreal com o ananás. No fim, o clássico happy end contraria os presságios de Arletty e mostra que os milagres acontecem, num mundo ao contrário.

Que se vanglorie este cinema, que põe o espectador activo perante a obra, sem artifícios ou adornos que o distraiam. Dotado de uma economia técnica espantosa, é um filme extremamente seco que nos faz reflectir sobre a ‘Europa sem fronteiras’, e apesar de toda a apropriação do passado, tem a frescura de um robalo acabado de pescar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

DAYS OF HEAVEN (1978) MALICK


Terrence Malick é uma espécie de poeta visionário que trilha a relação entre duas naturezas: a orgânica e a natural. Não é de estranhar que tenha estudado filosofia em Harvard e escrito uma tese sobre a concepção do mundo. Em 69 traduziu o ensaio “The essence of reasons” (1929) de Martin Heidegger. Ainda nesse ano entrou na primeira turma a abrir no Centro para Estudos Fílmicos Avançados do American Film Institute, em Los Angeles. Os seus filmes clamam a urgência por recapturar a totalidade perdida do ser, um estado de integração idílico com o natural e ‘O Bem’ dentro e fora de nós. Natureza e Alma funcionam como elemento unificador, que caminha lado a lado com o mundo. A voz interior dos personagens fala frequentemente do Homem como um ser que partilha uma “grande alma” para “tocar a glória” onde “todas as coisas brilham”. É nestes termos que devemos entender a “calma” e “imortalidade” sugeridas na sua obra. Depois de Badlands, passou a congregrar representações visuais da natureza absolutamente esmagadoras, especialmente da luz filtrada através das árvores compridas, da relva a movimentar-se ao sabor do vento, do sol a iluminar a paisagem. É através dessas representações que o realizador expressa o seu reconhecimento do mundo como um paraíso perdido, entre a escuridão e a morte, mas aberto à redenção através do altruísmo individual. Em Days of Heaven, as imagens da natureza interligam-se com as acções dos protagonistas, ao mesmo tempo que fornecem um correlativo objectivo dos seus estados emocionais, antecipando-os, muitas das vezes. Passado no Texas, durante a 1ª Grande Guerra, o filme contém todos os elementos do western, sem que nenhum desempenhe um papel-padrão na narrativa. Existe a tarefa de trabalhar a terra, mas é realizada por trabalhadores migrantes. Há um herói "oficial" (o proprietário da terra) - que falha na sua tentativa de ‘purificação’ - e um herói fora-da-lei (Bill), que é punido, ao invés de resgatado. Há ainda uma voz-over, a de Linda, que não fornece o tipo de apropriação normalmente disponibilizado por esse dispositivo, devido à perspectiva peculiar e naïve que ela tem sobre os eventos, escusando-se mesmo a comentar cenas fulcrais da acção.




Casa junto da Linha Férrea, 1925. Hopper


O mundo de Cristina, 1948. Andrew Wyeth


O que me fascinou em Days of Heaven foram as ligações à pintura de Hopper e Andrew Wyeth. Já tínhamos visto Hitchcock a apropriar-se de uma das casas de Hopper n’ Os Pássaros, mas Malick leva essa reapropriação muito mais longe - e um ano a seguir é Woody Allen que dá vida à Queensborough Bridge, em Manhattan. Depois, a história e percurso dos 3 'irmãos' é esmagadora. Bill quer tudo e acaba por ficar sem nada, levando todos à desgraça e à ruína. Um filme muito diferente do que o antecedeu e sucedeu, onde Malick está nitidamente à procura de algo que levou 20 anos a desenvolver.