terça-feira, 19 de maio de 2020

Aqui é um bom lugar

E a ti, o que te faz sentir em casa? 

a pergunta surge na exposição digital O que há neste lugar? do Museu da Paisagem, em diálogo com o livro O que há neste lugar? Guia de exploração da paisagem da Maria Manuel Pedrosa e da Joana Estrela, que eu ainda não li, mas com que vou namorando pela internet. 




durante esta visita guiada, lembrei-me de uma bela paisagem que vi, ainda em Berlim, ia já março a findar. caminhava sem pressa pela rua longa e larga que foi casa de sol e de solitude, ainda a sorrir por causa das macacas desenhadas no chão pelas crianças, uma a giz rosa, pequenininha, outra a giz amarelo, onde o meu pé ocupava exactamente a área de um quadrado, quando reparo numa senhora de risco ao meio e camisa preta a almoçar à janela. o sol do meio-dia ilumina-lhe a testa e o cabelo cinzento muito bem penteado. ela olhará para o prato. nunca olha para mim. nesse dia tive pena de não ter um telemóvel com câmara fotográfica e de não saber desenhar como a Joana Estrela. escrevi no caderno: hoje vi a paisagem mais bonita do mundo e lembrei-me das palavras da Sophia. A beleza não é um luxo para estetas privilegiados, não é um ornamento, a beleza não é para estar nos salões nem nos palácios. A beleza é para estar na rua e na casa de cada um. naquele dia a beleza estava naquele rés-do-chão da Gräfenbachstraße ao meio-dia. 




nesta entrevista, a Sophia diz coisas muito interessantes sobre educação, cultura literária e cultura plástica e livros para crianças, que são livros de que gosto muito. há um, já não para crianças, mas para jovens, escrito pela Ana Pessoa e ilustrado pela Joana Estrela, que se chama Aqui é um bom lugar




dentro do livro, a frase aparece numa página com um desenho que se parece com o Aduela. é bom ver lugares que conhecemos representados em livros. e faz sentido porque a Joana vive no Porto. já a Ana vive em Bruxelas e não sei se foi lá que passou por um café chamado Aqui. talvez o café se chame Ici. hoje sentei-me num banco do Parque Central da Amadora e pensei, aqui é um bom lugar. a Ana dedica o livro aos meus pais, que fazem da vida um bom lugar. há um par de semanas, o Gonçalo M. Tavares escrevia no seu diário, a casa de partida é a casa dos pais. mas por agora, aqui é um bom lugar. no livro, há ainda referência a um livro do Vergílio Ferreira chamado "Até ao fim". o meu pai anda a ler um livro do Vergílio Ferreira, mas não se chama assim. o personagem principal é um professor. o Vergílio também era professor. há uma escola em Carnide que tem o nome dele. uma vez fui lá ler uma composição a propósito de um concurso de escrita. já não sei sobre o que era, mas recordo-me que estava nervosa. não gosto de falar em público. não gosto especialmente de falar, mas gosto muito de escrever. do Vergílio só li aquele que era obrigatório na escola, "aparição". foi o meu preferido de entre aqueles que tínhamos de ler, "Memorial do Convento" e "Os Maias". de qualquer modo, sei como acaba o "Até ao fim". é assim: a vida inteira dentro de mim. dois livros com o mesmo fim!

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