sábado, 23 de maio de 2020

Janela Indiscreta

ontem a mãe deixou-me ir ver livros. pus a máscara e corri pelas escadas acima mas parei logo no 1.º Direito a olhar para a menina à janela.



antes de voltar ao Godard, pensei trocar-lhe o nome para 3.º Direito, mas depois não consegui. folheei o livro da menina à janela rápido, porque a máscara fazia muita comichão, mas tive uma ideia para a minha composição! este fim-de-semana temos de escrever sobre a casa. eu sou como a Graça, também gosto muito de observar pessoas. há até pessoas que não vejo, mas escuto. por exemplo, hoje acordei com a mãe da Margarida a gritar com ela. gritava muito e depois ainda veio o pai gritar mais. a Margarida começou a chorar e eu já tinha o coração a bater rápido com tantos gritos. depois há a Matilde que mora no prédio em frente. como me mudei há pouco tempo, ainda não a conheço, mas já sei como se chama. Matiiiiiiilde! vai vestir o casaco, Matiiiiiiilde! grita-lhe a mãe e depois vem o pai para o irmão da Matilde ó, filho, então tu não vês a tua irmã? isto aqui é a Venteira e está sempre vento. a mãe e o pai da Matilde têm medo de constipações. no 4º andar do prédio da Matilde, vive um menino mais velho que não nos liga nenhuma. faz festinhas ao cão. o cão passa muito tempo à varanda, mas às vezes também passa tempo lá dentro e dorme sempre lá dentro. também lá vive uma gata que é muito amiga do cão. no 1º andar estão sempre pessoas diferentes e uma senhora sempre a limpar. limpa de máscara e de luvas e deixa sempre os lençóis brancos no estendal. no 2º andar do prédio da Matilde, vivem duas namoradas e dois namorados. 4 pessoas. uma delas faz ginástica todos os dias. têm uma televisão muito grande e vêem a sic.

as casas são todas diferentes e os lugares das casas também são diferentes. por exemplo, há terrenos que são só para casas. aprendi isto no outro dia com a mãe. entre um prédio e outro, havia um terreno com muitas ervas e eu disse
- mãe, olha aqui, um terreno! podemos fazer uma horta! 
- este terreno é para construir um prédio. 
mas por que não pode ser uma horta? 
- porque é muito caro para pôr aí umas couves.

depois comecei a olhar para os prédios e a perceber como o sol se ia embora mais cedo de uns andares que de outros e depois comecei a pensar e a pensar... da sub-cave ao sótão, há rés-do-chão com terraços e há janelas grandes e janelas pequenas. há até janelas que são duas portas que dão para varandas. há estúdios e há águas-furtadas. há casas de tijolo e casas de plástico. chamam-se tendas. há casas de cartão que não sei como se chamam. há casas umas em cima de outras e pessoas umas em cima de outras. há casas com frigorífico e casa de banho e há casas sem água nem luz. há casas de campo e casas de praia e há casas de banco de paragem de autocarro. há casas com cães e casas com gatas e há casas caras e casas com baratas. há casas que já não são casas nem são nada. dizem que vão ser condomínios de luxo. 
- mãe, o que é luxo? 
- luxo é isso que você está vendo.

a Adília Lopes diz que no Céu há muitas moradas. na terra também. isto foi a minha composição sobre a casa. caras casas, quem vê casas, não vê casarões.

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