segunda-feira, 7 de novembro de 2011

LEFF - Christopher Doyle e Joaquim Trier


Cheguei ao Nimas e lá estava Chris a beber cerveja e a conversar com a organização. A masterclass começa, com a sala a metade, e o apresentador assusta-nos ao dizer que o director de fotografia preferiu ir dar uma volta pela cidade e trocar números com mulheres portuguesas.
Passam a primeira montagem escolhida por Chris com imagens de Happy Together de Wong Kar-wai. A música I still haven’t found what I’m looking for segue-nos pela viagem daqueles dois personagens e Chris surge do fundo da sala a cantar. Divertido, mulherengo e deixando um rasto de intenso cheiro a álcool é recebido com risos e uma saudação entusiasta.
Explica que não consegue escolher o trabalho mais perfeito que fez até hoje, porque o melhor é o que vem a seguir e acha sempre que poderia ter feito de maneira diferente. Por isso refaz as imagens dos filmes, à medida que o tempo passa e descobre uma forma que agora faz mais sentido. Foram selecções destas remontagens que nos trouxe. Kar-wai perguntava-lhe várias vezes: “É isto tudo o que consegues fazer, Chris?”, ao que ele lhe respondia: “Sim, é! Mas, entretanto, vamos crescendo, tendo novas experiências, e decidi retrabalhar sobre o que está feito, dar-me uma nova oportunidade”.
Chris nasceu em Sidney, mas vive em Taipei desde os anos 70 e considera-se asiático. No dia 24 de Dezembro de um qualquer ano, de férias na sua terra, acordou na praia de manhã, pegou na sua máquina fotográfica e filmou o que viu. Vemos o vídeo, um passeio pelas ravinas, que às vezes mais parece ser no Texas, e percebemos a importância que o mar e o deserto têm no seu percurso – “é por causa do mar que Lisboa me fascina tanto”.
Trabalha com pessoas de quem gosta e mantém-se fiel a si próprio, tanto no trabalho como na vida. Por não ter educação formal, apenas responde ao espaço que encontra e o que sempre lhe chamou a atenção foi a luz, e hoje ela está tão interiorizada nele que já não precisa de pensar, é automático. Explica como a luz daquela sala bate nos nossos rostos e como está a ter visões perfeitas, especialmente de uma rapariga para quem se vira – “Não fazes ideia do quanto me estás a dar com o teu olhar”. O importante é “celebrarmos o que conhecemos, é termos uma história para contar, é a integridade das nossas intenções. Fazemos o filme que podemos com os meios que temos, e não o que queremos. E quando não há dinheiro, trabalhamos com a luz que existe, que o espaço nos dá sem lhe pedirmos”.
O primeiro filme americano que fez foi o Psycho (1998) do Gus Van Sant. “Foi estranho porque na Ásia é tudo mais orgânico. O ambiente em que vivemos e trabalhamos molda o nosso ser criador. O que tento fazer é dar forma às palavras, é celebrar a visão cultural e, para mim, os detalhes são importantíssimos. O vento, a natureza... O cinema é sobre regenerações, é um círculo que dá, recebe e volta a dar.”
Sente-se fortemente influenciado pela literatura e pela música. Aprecia imensamente Pessoa e todas as suas personas, o modo como se conseguiu desconstruir.
Vimos ainda excertos de Last Life on the Universe, The Limits of Control, 2046, Paris, je t’aime, entre outros. A masterclass durou mais de duas horas e Chris continuaria a mostrar-nos o seu universo, se não fosse a organização pedir-lhe que se apressasse.
Antes de terminar, reforça uma vez mais o que nos foi dizendo várias vezes ao longo da noite: “No cinema há só três pessoas: quem está à frente da câmara, eu e vocês.”


Restou meia hora para enfiar alguma coisa pela goela, um café e um cigarro e as pessoas começaram a acumular-se para a sessão do Norueguês Joaquim Trier, com a sua segunda longa-metragem Oslo, 31 de Agosto, a primeira a ser exibida em competição. Sala completamente lotada. É um trabalho sobre a (im)possibilidade da escolha, sobre o arrependimento e a (in)capacidade de nos relacionarmos com segundos, sem os desiludir. Anders é ex-toxicodependente, mas isso não é relevante. O que importa é que ele é um personagem com tempo, com demasiado tempo e poucas ambições na vida. Dada a sua disponibilidade e amabilidade, ele escuta aqueles com quem se cruza, porque ele sente já não ter nada para contar. O som é magistralmente trabalhado e nós ouvimos com os seus ouvidos, como quando ele escuta conversas separadas num café ou quando sai para a rua e, em vez de ouvirmos os carros que cruzam a estrada, continuamos absortos no seu mundo interior, que transporta demasiados pensamentos para se concentrar na sonoridade à sua volta. É também dotado de uma fotografia exemplar que acaricia o nosso desconforto. Há espaço para os pequenos gestos. Os primeiros vinte minutos são dedicados à longa conversa que Anders tem com o amigo, onde percebemos a sua intenção e para onde o filme caminha, mas isso é de menor importância, pois o que conta não é o destino final, mas a viagem. 30 de Agosto é o dia em que Anders se despede da cidade e dos amigos e recorda conversas passados. 31 é o dia em que se entrega ao seu mundo interior. Mas a câmara ainda lá está e mostra-nos os lugares que visitou no dia anterior, a vida que continua para além das pessoas que partem.  Anders Danielsen Lie protagoniza o filme, quase sem ajuda e na perfeição. De cara crispada, deixa escapar sorrisos desmaiados em algumas ocasiões, como quando vai à pendura na bicicleta, numa das cenas mais belas do filme. O seu personagem é um desistente, recordando ao amigo o que este uma vez lhe disse: “Aqueles que se querem auto-destruir não devem ser impedidos pela sociedade”. Ninguém quer que Anders parta, mas ninguém acredita na sua recuperação. A irmã está tão amedrontada com a sua saída da clínica de desintoxicação que nem o consegue encontrar, mandando a namorada no seu lugar. Os pais estão em Nice a passear. O amigo diz-lhe para se encontrarem numa festa, na qual nunca aparece. Todos esperam, envergonhadamente, o dia em que a espera termine. É por isso que não o conseguem encarar. E a espera é verdadeiramente dura.

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