Há dois dias, para mal dos meus pecados, fui ver Un été brûlant de Phillipe Garrel. Uma desgraça. Depois pensei em Ozu, um realizador que também era lento. E pensei no tempo.
Se em meados do século XX o trabalho de Ozu não foi devidamente reconhecido, associado a um grande conservadorismo, hoje desperta-nos para o que é importante.
Ao contrário dos seus colegas de geração, Ozu não importou o estilo americano para o seu trabalho, enaltecendo os valores do seu país, através do tema da família, presente em todos os seus filmes. Realizou entre o pré e o pós-guerra. Durante este último período, os seus filmes dão-nos conta de uma sociedade traumatizada, a caminho da modernização, onde a tradição cultural tem um espaço cada vez mais limitado. Assistimos ao isolamento criado pela dissolução do núcleo familiar e à passagem do tempo (o pai de família que fica sempre sozinho, à espera que chegue a sua hora).
Em Tokyo Story isso é muito evidente e é-nos mostrado através da câmara fixa no chão, que filma o casal idoso quase sempre sentado. Sentado a fazer as malas para ir ao encontro dos filhos, sentado a tomar uma refeição, sentado quando a mulher adoece.
O tempo aqui está sempre relacionado com os personagens. Neste caso, a câmara dá tempo ao casal. Os filhos movem-se rapidamente, nas suas vidas agitadas, sem tempo a perder com quem precisa demasiado dele. Os netos correm pela doce inocência e ilusão da infância, e há uma cena emblemática desse desconhecimento da vida, quando a avó e o neto estão no campo e ela lhe pergunta o que ele quer ser quando for grande, ao que a criança não responde, absorvida na sua brincadeira e nos seus pensamentos. Ela não sabe o que é ser grande, não tem curiosidade nem maturidade para responder a essa pergunta.
O filme termina com Noriko no comboio, a olhar para o relógio que o sogro lhe deu. Ela representa a esperança em relação ao futuro, a mudança, e por isso o realizador a filma em viagem.
Ozu era um formalista, tinha um apurado sentido de perfeição e nada podia resvalar o que tinha imaginado. Tudo obedecia a regras estritamente rígidas - os planos, as personagens, a narrativa. Ao mesmo tempo não se lhe pode negar a preocupação pelo realismo puro, no sentido em que leva a vida para o grande ecrã. E na vida há momentos vazios em que não se passa nada, em que apenas respiramos, olhamos, esperamos o tempo passar. Se o cinema quer representar a realidade, por mais veloz que ela seja lá fora, o sujeito singular vive estes momentos sozinho. É deles que se faz o cinema de Ozu. Ouvimos o tempo no tic-tac dos relógios, vemo-lo no pai que fica sozinho porque a mulher morreu e os filhos constituíram a sua própria família.
Retomando a minha ideia inicial, a lentidão de Ozu não é a mesma que a de Garrel, porque a primeira tem um motivo e serve um propósito. Além disso, os personagens de Ozu têm uma estrutura, uma vida, uma base sólida. É importante perceber que há diferentes tipos de lentidão, bem como diferentes concepções temporais. Em Ozu o tempo passa, em Garrel o tempo extingue-se. Ele não tem nada para contar. Os seus personagens são opacos e mesquinhos, incapazes de transmitir o que quer que seja. Un été brûlant fez-me querer esbofetear Garrel (o filho) e Bellucci. Fez-me querer abandonar a sala desde o início. É tão pretensioso que enjoa. Em Ozu, o tempo flui, a vida acontece. Tenho pena que o Philippe não tenha aprendido nada com ele. A minha crítica ao seu mais recente filme pode ser lida aqui.
Obrigada, João. Também é um dos meus realizadores preferidos. Há um documentário belíssimo do Wim Wenders sobre ele - "Tokyo-Ga".
ResponderEliminarOzu é um dos grandes Mestres da Sétima Arte, revelando-se desde muito cedo como um autor. "Primavera Tardia". "O Gosto do Saké" e "Viagem a Tokyo" são os meus favoritos.
ResponderEliminarParabéns pelo blogue.
Cumprimentos cinéfilos
Rui Luís Lima
A esses junto ainda "The end of Summer" e voilá!
ResponderEliminarObrigada pelas palavras e até breve.