domingo, 13 de novembro de 2011

O Tempo em Ozu



Há dois dias, para mal dos meus pecados, fui ver Un été brûlant de Phillipe Garrel. Uma desgraça. Depois pensei em Ozu, um realizador que também era lento. E pensei no tempo.
Se em meados do século XX o trabalho de Ozu não foi devidamente reconhecido, associado a um grande conservadorismo, hoje desperta-nos para o que é importante.
Ao contrário dos seus colegas de geração, Ozu não importou o estilo americano para o seu trabalho, enaltecendo os valores do seu país, através do tema da família, presente em todos os seus filmes. Realizou entre o pré e o pós-guerra. Durante este último período, os seus filmes dão-nos conta de uma sociedade traumatizada, a caminho da modernização, onde a tradição cultural tem um espaço cada vez mais limitado. Assistimos ao isolamento criado pela dissolução do núcleo familiar e à passagem do tempo (o pai de família que fica sempre sozinho, à espera que chegue a sua hora).
Em Tokyo Story isso é muito evidente e é-nos mostrado através da câmara fixa no chão, que filma o casal idoso quase sempre sentado. Sentado a fazer as malas para ir ao encontro dos filhos, sentado a tomar uma refeição, sentado quando a mulher adoece. 
O tempo aqui está sempre relacionado com os personagens. Neste caso, a câmara dá tempo ao casal. Os filhos movem-se rapidamente, nas suas vidas agitadas, sem tempo a perder com quem precisa demasiado dele. Os netos correm pela doce inocência e ilusão da infância, e há uma cena emblemática desse desconhecimento da vida, quando a avó e o neto estão no campo e ela lhe pergunta o que ele quer ser quando for grande, ao que a criança não responde, absorvida na sua brincadeira e nos seus pensamentos. Ela não sabe o que é ser grande, não tem curiosidade nem maturidade para responder a essa pergunta. 
O filme termina com Noriko no comboio, a olhar para o relógio que o sogro lhe deu. Ela representa a esperança em relação ao futuro, a mudança, e por isso o realizador a filma em viagem.
Ozu era um formalista, tinha um apurado sentido de perfeição e nada podia resvalar o que tinha imaginado. Tudo obedecia a regras estritamente rígidas - os planos, as personagens, a narrativa. Ao mesmo tempo não se lhe pode negar a preocupação pelo realismo puro, no sentido em que leva a vida para o grande ecrã. E na vida há momentos vazios em que não se passa nada, em que apenas respiramos, olhamos, esperamos o tempo passar. Se o cinema quer representar a realidade, por mais veloz que ela seja lá fora, o sujeito singular vive estes momentos sozinho. É deles que se faz o cinema de Ozu. Ouvimos o tempo no tic-tac dos relógios, vemo-lo no pai que fica sozinho porque a mulher morreu e os filhos constituíram a sua própria família.
Retomando a minha ideia inicial, a lentidão de Ozu não é a mesma que a de Garrel, porque a primeira tem um motivo e serve um propósito. Além disso, os personagens de Ozu têm uma estrutura, uma vida, uma base sólida. É importante perceber que há diferentes tipos de lentidão, bem como diferentes concepções temporais. Em Ozu o tempo passa, em Garrel o tempo extingue-se. Ele não tem nada para contar. Os seus personagens são opacos e mesquinhos, incapazes de transmitir o que quer que seja. Un été brûlant fez-me querer esbofetear Garrel (o filho) e Bellucci. Fez-me querer abandonar a sala desde o início. É tão pretensioso que enjoa. Em Ozu, o tempo flui, a vida acontece. Tenho pena que o Philippe não tenha aprendido nada com ele. A minha crítica ao seu mais recente filme pode ser lida aqui.

3 comentários:

  1. Obrigada, João. Também é um dos meus realizadores preferidos. Há um documentário belíssimo do Wim Wenders sobre ele - "Tokyo-Ga".

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  2. Ozu é um dos grandes Mestres da Sétima Arte, revelando-se desde muito cedo como um autor. "Primavera Tardia". "O Gosto do Saké" e "Viagem a Tokyo" são os meus favoritos.
    Parabéns pelo blogue.
    Cumprimentos cinéfilos
    Rui Luís Lima

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  3. A esses junto ainda "The end of Summer" e voilá!
    Obrigada pelas palavras e até breve.

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