terça-feira, 22 de novembro de 2011

I VITELLONI (1953) Federico Fellini


Depois de aqui ter escrito sobre La Strada, I Vitelloni ficou a remexer-se-me nas entranhas. É o terceiro filme de Fellini e pertence à segunda fase neo-realista. O realizador acolhe esta estética, mas enriquece-a de novos sentidos, a par dos seus colegas de geração Antonioni e Pasolini. “Abrem-se a novas problemáticas e a novas perspectivas estilísticas, sem todavia esquecer-se das experiências iniciais no âmbito neo-realista.” (Deleuze). I Vitelloni contém já sinais do grotesco que vem a explodir nos seus filmes posteriores.
Somos desde logo apresentados a Moraldo, Riccardo, Leopoldo, Fausto e Alberto, cinco homens avançados na casa dos 30, com atitudes que lembram o universo inconstante da adolescência, enquanto transição da infância para a idade adulta. Na primeira cena, vemo-los numa marcha que tem ainda todo o peso fascista italiano, numa pequena cidade que, mal acabou de acordar, teve de se confrontar com os destroços da derrota que desenhou a sua passividade. Passividade entranhada sobre estes rapazes grandes, à procura de passar o tempo, evitando encontrar as respostas que os levarão à idade adulta, arquétipos do provincianismo onde estão inseridos.
Vislumbramos os traços de uma sociedade em transição, patenteada no uso da expressão “ok” ou nos anúncios que antevêem a chegada do consumismo e servem de pano de fundo às discussões entre Fausto e Sandra. 
Em contraste directo com estas atitudes está a família de cada um destes personagens, símbolo da tradição, da responsabilidade e do trabalho, e da qual ainda nenhum se tornou independente. A família quer que os seus herdeiros sigam os seus paços, mas estes estão interessados noutro caminho, e entre estes dois mundos não conseguem seguir nenhuma direcção, presos no marasmo.
Estes Inúteis vivem para os pequenos prazeres do dia-a-dia, sem grandes compromissos. Fausto engravida a irmã de Moraldo e é obrigado a casar com ela e a arranjar trabalho. O seu fascínio pelo sexo oposto não o deixa ser um bom marido e quase acaba por destruir a sua recente família. Querendo reconquistar a mulher, promete-lhe não repetir a traição e fica ao critério do espectador se irá ou não cumprir a promessa.
Alberto vive com a mãe e a irmã e depende do rendimento da segunda, criticando-a, no entanto, pela falta de vergonha por ‘andar metida’ com um homem casado. Mas é a sua irmã a única personagem que escapa àquela vida e parte, deixando-os a todos transtornados, por quererem ter a sua força.
Leopoldo é um projecto de dramaturgo à procura da perfeição inconcebível, e Ricardo é o condutor do carro em que vagueiam pelas ruas, numa fuga ao mundo real e do trabalho, do qual gracejam constantemente. A situação complica-se quando o carro avaria e a realidade ameaça apanhá-los, por mais veloz que seja a corrida.
Moraldo, personagem central, destaca-se dos outros ao ver o mundo com mais clareza. É o mais calmo do grupo e o mais próximo do mundo familiar, mas não deixa de pensar nessa fuga que o levaria a outros mares, e que acaba por tomar no final do filme, sem no entanto sabermos se vai florescer ou falhar. A forma como encara as atitudes de Fausto para com as mulheres, como conduz Alberto a casa num gesto quase paternal, ou o seu perfil de observador distante e pensativo, anunciam a sua partida para a idade adulta.
Como em muitos outros filmes, Fellini dotou-o de marcas autobiográficas e por vezes parece que entramos num sonho do seu passado longínquo, pintado de lembranças e evocações a pequenos acontecimentos. Ganhou com I Vitelloni o seu primeiro prémio, o Leão de Ouro em Veneza.
“Para mim, o neo-realismo é uma maneira de ver a realidade sem ideias pré-concebidas, sem convenções entre ela e eu – encarando-a sem preconceitos, olhando para ela honestamente – o que quer que seja a realidade, não só a realidade social, mas a realidade espiritual, metafísica, tudo que há num homem.” (Fellini)

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