quarta-feira, 30 de novembro de 2011

MELANCHOLIA


Na semana passada vi o novo filme de Lars Von Trier. Saí a flutuar da sala de cinema e demorei vários dias a processar a experiência. Fiquei confusa. Estará Trier, literalmente, a gozar connosco, ou será antes um objecto de profunda reflexão? Depois li e vi muitas entrevistas dadas pelo realizador e pelas actrizes e comecei a inclinar-me para a segunda hipótese.
A sinceridade de Trier é uma coisa rara. A sua inteligência sarcástica aliada à sua timidez nervosa chega a comover-me. É um prazer ouvi-lo, bem como a Charlotte Gainsbourg, a menina-mulher por quem me apaixonei em The Science of Sleep, e que agora está tão crescida, que às vezes me pergunto o que terá ainda guardado para nos dar. Charlotte é apaixonante, desde logo pela doçura lânguida da sua voz. Era capaz de ficar a ouvi-la uma vida inteira.
Mas não me alongo mais, porque senão não me calo. Sobre o filme podem ler aqui ou ver a reportagem no Canal 180 - que escrevi com o João Martinho - com Trier, Charlotte e Kirsten, em pessoa.

8 comentários:

  1. Eu não gostei nada do filme, para mim quase tão mau quanto “Tree of Life“. Um pastiche de mau gosto e superficial dos filmes de Tarkovski ou Bergman. A entrevista de Trier aos Cahiers apenas veio confirmar essa minha impressão. Creio que o Trier quis fazer algo com um ar “profundo“ para aceder ao Olimpo. Mas tudo soa a falso. É inevitável. O mimetismo não resulta porque os filmes do Bergman e do Tarkovski eram uma expressão artística – natural e orgânica – de questões vivenciais, políticas, religiosas. Transfiguradas por formas cinematográficas pessoalíssimas. Em contraste, e a título de exemplo, a primeira parte de Melancholia é banal, feita de lugar comum atrás de lugar comum sobre a vida mundana, a publicidade e o consumismo. Nada de novo, nenhuma descoberta. Mas – e aqui ironicamente, uma vontade de jogar paradoxalmente com o marketing? – o Trier além de querer ser “profundo“ também quer chegar a todo o lado tão rápido como um relâmpago. De modo que a primeira pergunta a fazer sobre o filme é: por que razão o filme aborda uma história sobre a alta burguesia norte-americana? Porque é que o filme — co-produzido (creio) por vários países europeus — é falado em inglês e tem actores maioritariamente de origem anglo-saxónica? Mais importante: como resolver a equação que tem de um lado a alta sociedade norte-americana (creio Trier nunca viveu nem sequer visitou os EUA) e do outro tem -- supostamente -- uma obra artística pessoal do Trier? (para Dogville havia uma boa resposta a esta pergunta)

    A Kirsten Dunst é muito, muito bela, um modelo ideal para uma pintura ou uma estátua. Está em todos os planos mais conseguidos do filme. Paradoxamente, a sua expressividade no jogo da representação fez-me lembrar o Robert Mitchum! Se calhar o Mitchum era a melancolia personificada, poderia retorquir o Trier. Só que de um opacidade tão pronunciada que dificilmente se consegue olhar lá da superfície, para o interior.

    No início de “Vivre sa vie“ ouve-se uma criança dizer: « Une poule est composée d’un intérieur et d’un extérieur. Si on enlève l’extérieur, il reste l’intérieur, et quand on enlève l’intérieur, on voit l’âme. » Em Melancholia tudo se resume ao exterior, o interior está ausente. E o resultado inexorável é aquilo que falta ao filme: justamente, a ausência de alma.


    Miguel Preto

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  2. Miguel, obrigado pelo comentário. Bastante eloquente e interessante. Compreendo os seus pontos. É um filme muito particular e pessoal, que terá as mais variadas interpretações. E isso também é bom. Quanto a mim, considero-o extremamente inteligente, com uma direcção de actores notável e um cuidado pela imagem que quase não precisaria de palavras. De resto, penso que já disse tudo na análise, por isso não me alongo mais. Cumprimentos

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  3. Olá Inês, não estamos de acordo sobre este filme. :-) Na verdade, acho que percebo o que queres dizer a propósito da direcção de actores (mise en scene complexa) e da imagem muito trabalhada. Nesse aspecto, a minha opinião é obviamente subjectiva — não gostei. O resultado do trabalho de actores — complexo, sofisticado — não traz nada de novo, é standard; a imagem achei-a pesadona, um pouco retrógrada, reminiscente de uma certa pintura do século XIX? (a minha terminologia é muito imprecisa, desculpa)


    Já agora, gostei muito dos posts sobre o neo-realismo italiano!

    Miguel Preto

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  4. Miguel, não estamos de acordo nem precisamos de estar. Este filme põe, de facto, as pessoas a falar e consegue esse extremo: ou se gosta muito ou não se gosta nada. Não acho, de todo, que cada filme tenha de trazer algo de novo, mas novos acabam por ser os personagens, e é o dramatismo que os actores lhes imprimem que faz parte da força do filme. Depois, aquelas imagens do jardim à frente da casa parecem-me bastante surrealistas. E daí a melancolia, Freud e o inconsciente.

    Mais uma vez, obrigada. Gostei bastante de escrever sobre o neo-realismo. Foi uma época importante na minha aprendizagem. Já agora, não tens blog ou coisa parecida?

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  5. inês, fico bastante contente de me teres encontrado aqui e poder adicionar alguém que escreve bem sobre cinema :)***

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  6. Vanessa, o prazer foi meu. Vi o link para o teu blog na RDB. Vamo-nos cruzando. Beijinhos

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  7. Sobre este filme não faltou dizer quase nada.

    Lars apresenta-nos neste filme todas as ansiedades e todos os medos, presentes nas irmãs que, segundo ele, o representam.
    Eu destacaria sobretudo a forma como Lars filma. Para mim, é na forma como mensagem subliminar que está grande parte do que mais importa na película. Na forma vemos que o desprendimento está todo lá ainda que com a crescente preocupação ao nível detalhe estético (esta tem sido uma característica cada vez mais presente nos seus filmes). É aqui que me parece que o tal movimento Dogma 95 já lá vai.

    Por último, na minha opinião, importa lembrar duas evidências: a primeira é o humor requintado presente em grande parte do filme, a segunda é Wagner.

    RM

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  8. RM, tem toda a razão. O "humor requintado" está presente, principalmente, no primeiro capítulo do filme. Tanto o casamento, em si mesmo, como as peripécias que se sucedem, são, aliás, um total absurdo. Desde a noiva que vai tomar um banho, passando pelo discurso da mãe (a fenomenal Rampling) e até à cena de sexo. Quanto a Wagner, haveria igualmente coisas a dizer. E tanto mais assim é quanto mais vezes vemos o filme. Gostava imenso de ler a sua análise, caso a tenha feito. Cumprimentos.

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